AUSÊNCIA DOS PAIS É A MAIOR DIFICULDADE PARA
QUALIFICAR A FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS.
A
educação do século 21, tema de um seminário que reuniu pensadores
internacionais nesta semana em Porto Alegre, ressentiu-se de uma ausência: a
dos pais.
Em uma
era na qual homem e mulher trabalham fora e em que, quando estão em casa,
continuam a ser torpedeados por demandas diversas via celular ou internet,
sobra cada vez menos tempo para os filhos. Acuados, pai e mãe acabam jogando a
responsabilidade pela educação sobre a escola, por sua vez sobrecarregada e
desnorteada diante de crianças que chegam sem ter recebido noções de limites da
família.
– Existe
um vácuo. Os pais têm se omitido bastante e estão terceirizando a educação dos
filhos. Dizem que ela é função da escola, e a escola responde que é função dos
pais. É um grande impasse. Brinco que vai acabar sendo a polícia, quando o
filho chegar na adolescência – alerta Tania Marques, doutora em Educação e
professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da UFRGS.
Diante
de desafios que surgem a cada dia com a velocidade dos avanços tecnológicos, os
pais estão colocados diante de uma tarefa espinhosa: a de reaprender seu papel.
Isso significa reconhecer que uma parcela muito expressiva da formação de seus
filhos é responsabilidade deles e não pode ser transferida. Como educadores,
cabe a eles assumir funções como estabelecer regras, passar valores e dizer
“não” (veja as orientações de especialistas nesta reportagem).
A importância
do diálogo
Essas
foram algumas das questões que estiveram em jogo na quinta edição do Seminário
Internacional Pare Pense, promovido pela ONG Parceiros Voluntários e pelo
Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo. Com a proposta de discutir a
formação do ser humano para o século 21, o evento reuniu ao longo do dia, no
Teatro do Bourbon Country, um conjunto de especialistas de peso. A
psicopedagoga Maria Dolores Fortes Alves, que esteve entre os painelistas,
defendeu a ideia de que a família tem papel decisivo em passar valores. Ela faz
uma aposta no diálogo entre pais, filhos e escola como um caminho para o
futuro.
– O
primeiro de tudo é o diálogo. O diálogo com a criança, para poder, por meio da
compreensão, descobrir quais são as dificuldades que ela está enfrentando,
quais os aspectos dessas dificuldades. A partir disso, o diálogo com a escola
também, com os professores, com os coordenadores pedagógicos, para fazer as
melhores orientações com os melhores profissionais capazes de ajudá-la em suas
limitações – afirma.
*Colaborou
João Brum
Dê o exemplo
Se você
quer que seu filho seja gentil, responsável e carinhoso, deve dar o exemplo. As
crianças tomam os pais como modelo e tendem a imitar seus comportamentos. É
muito mais importante não mentir, exercitar-se e comer adequadamente do que
dizer para a criança que ela não deve mentir, que deve se exercitar e que
precisa comer determinados alimentos. Se você deseja que ela se interesse por
leitura, leia diante dela e leia para ela. “Faça o que eu digo, não faça o que eu
faço” não funciona com crianças. Lembre-se de rir com a criança, mas nunca ria
dela, porque isso é desrespeitoso. Brincadeira é quando todos se divertem. Se
apenas um ri, é agressão. Configura desrespeito. E a criança só constrói o
respeito pelo outro se ela própria é respeitada.
Não tenha
medo de castigar
Com
pouco tempo para ficar com os filhos, por causa do trabalho, os pais tendem a
se sentir culpados na hora de dizer não e de castigar. Por esse motivo, acabam
falhando em estabelecer limites. É preciso saber que em muitos casos se deve
frustar o desejo das crianças – mas com carinho e respeito. Lembre-se que a
criança lê a falha do pai em dar limites como falta de afeto. Se é permitido a
ela fazer tudo, entenderá que o adulto não se importa e não a ama.
Primeiro,
explique. Se a criança persistir agindo mal, pode ser o caso de castigar. Mas o
castigo deve estar vinculado à coisa feita. Se ela riscou a parede, o castigo
será limpar a parede. Assim ela aprende que fazer certas coisas tem um preço. O
castigo não deve ser arbitrário, como deixar sem ver TV porque riscou a parede.
Não negocie o
inegociável
As
crianças tendem a pedir tudo o que veem. Mesmo que você tenha poder aquisitivo,
aprenda a dizer não e a limitar os mimos. Isso dará a seu filho a noção de que
as coisas não caem do céu e de que tudo vem com esforço. Deixe claro que o
importante não é ter coisas, mas estar cercado de pessoas a quem se ama.
Em
algumas situações, é possível negociar com seu filho. Se ele não quer ir embora
da praça e você pode esperar mais um pouco, não há problema em combinar uma
prorrogação de 15 minutos ou de meia hora na brincadeira. Tenha cuidado com
prometer presentes em troca de comportamentos desejados. A criança precisa
saber que nem sempre vai ganhar um prêmio pelo que fizer. É preciso ensinar que
as atitudes têm valor em si, para que elas não se transformem em uma mera
relação de troca.
Seja presente
na escola
Procure
levar e buscar seu filho na escola, pelo menos algumas vezes por semana,
converse com os professores e compareça às reuniões. Olhe sempre os cadernos
das crianças e pergunte sobre as aulas. Se você não der atenção à vida escolar
dela, a mensagem que você passa é de que isso não é importante.
Limite o
tempo de TV e de internet
Computador
e internet se tornam prejudiciais quando roubam tempo de outras atividades
necessárias ou desejáveis. Uma a duas horas de TV por dia estão dentro do
razoável. A criança precisa de outros tipos de estímulo e de contato com a
natureza. No caso da internet, não subestime os perigos. Mantenha o computador
em um local onde possa vigiá-la e acompanhe de muito perto o que seu filho põe
na rede e com quem se relaciona. As tecnologias têm importância na educação das
crianças, mas é necessário cuidado com os excessos.
Critique os
atos, não a criança
Se a
criança tem uma atitude condenável, diga que você não gostou do que ela fez.
Mas não denigra seu filho. Se você atacá-lo e criticá-lo – chamando-o de burro,
de malvado, de preguiçoso ou de qualquer outra coisa negativa –, ele poderá construir
a personalidade em torno dessas características e se tornar inseguro. O certo é
dizer que a ação dele é condenável e incompatível com a pessoa elogiável que
ele é.
Estabeleça
horários
Acordar,
comer, dormir – tudo tem de ter horário. A rotina ajuda a criança,
principalmente a de menos idade, a organizar seu pensamento e a educa para
seguir regras. Falta de rotina, pelo contrário, desorienta. Uma criança não tem
condições de decidir que precisa ir dormir porque no dia seguinte terá de
acordar certo por causa da escola. A organização deve ser de um adulto. Isso
prepara o terreno para ela própria aprender a se organizar.
Favoreça a
formação cultural
Desde
cedo, leve a criança a teatros, cinemas, livrarias, museus e galerias de arte.
Isso vai fazê-la refletir e vai deixá-la familiarizada com a riqueza do mundo
das artes.
Dê tarefas
domésticas
A partir
do momento em que seu filho aprende a caminhar, pode começar a assumir algumas
pequenas tarefas, como guardar os brinquedos. Com o tempo, pode ir colaborando
de outras formas, como arrumar a mesa das refeições ou ajudar com a louça. Além
de educar, essa participação nos afazeres domésticos deixam a criança feliz,
porque ela se sente participante.
Seja firme e
coerente
Deixe as
regras bem claras. Nada pode ficar subentendido. Não é suficiente dizer para a
criança se comportar. Isso é abstrato demais para ela. Diga quais
comportamentos são esperados e quais são reprovados. Os pais precisam ser
enfáticos e coerentes em relação ao que pode e o que não pode, explicando
sempre o porquê. Devem ser fornecidas explicações que a criança seja capaz de
entender, e não palestras ou discursos. Nada de papo-cabeça com criança. A
lógica infantil precisa ser respeitada.
Converse
muito e abra espaço para que a criança fale. O diálogo é fundamental no dia a
dia. Conversar e ouvir é mostrar interesse, o que significa que a criança se
sente respeitada e aprende a também respeitar. Não se pode esperar a
adolescência para começar a conversar. A comunicação se constrói no tempo e por
isso deve ser iniciada cedo. O diálogo ajuda a entender os problemas das
crianças.
Elogie o bom
comportamento
Quando a
criança fizer algo de bom, não poupe adjetivos. Elogie efusivamente e mostre
sua satisfação. As crianças aprendem a repetir os comportamentos que são
valorizados pelos pais. Não espere por grandes conquistas, que às vezes são
difíceis de alcançar, para elogiar. Valorize as pequenas vitórias do dia a dia.
Mesmo que seu filho não tenha obtida um 10, celebre o fato de ele ter melhorado
o desempenho em uma disciplina na qual estava mal. Isso serve de
estímulo.
Aproveite o tempo juntos
Os pais
se ressentem de longas jornadas de trabalho, que impedem um contato prolongado
com seus filhos. Mas esteja atento ao fato de que passar o dia inteiro com a
criança não é melhor do que passar pouco tempo, mas de forma correta. O que
você deve fazer é dedicar, todos os dias, uma hora para ela – e apenas para
ela. Desligue o celular, dê toda a sua atenção e faça algo em parceria: veja um
filme abraçado, monte um quebra-cabeças, conte um história. Isso mostra que
você valoriza seu filho. Ele precisa sentir esse carinho todos os dias. Depois
disso, a criança vai se sentir gratificada e deixará tempo para você resolver
outras questões.
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